Mesmo que a maioria das pessoas não saiba, ou ao menos não saiba o suficiente, o diagnóstico e todo o trabalho terapêutico dentro do Ayurveda não se reduz à consideração dos três doshas.
Na verdade, o trabalho de estudo e reequilíbrio de um paciente apenas começa com a determinação do dosha, mas o caminho que o terapeuta pode percorrer é sinuoso e extenso.
Dessa forma, temos outros conceitos-base dentro de uma observação de indivíduo, e uma das teorias mais importantes é a dos três gunas essenciais ou gunas mentais (guna pode ser traduzido como qualidade).
Essa teoria, que é complementada pela teoria dos doshas e se mantém misturada ao trabalho prático, é profunda e tem conexão com a filosofia básica contida nos Vedas, textos que deram origem ao Ayurveda.
O QUE SÃO OS TRÊS GUNAS?
Vamos ao básico primeiro: os três gunas são como essências de comportamento ou simplesmente estados essenciais, em que toda a matéria, coisas e pessoas que podemos ver e sentir, estão inseridos. Não há nada no universo que não esteja classificados em um dos três gunas. São eles: sattva, rajas e tamas.
- Sattva: é um estado de consciência e tranquilidade, o estado criativo e potencial de tudo que pode existir. É o estado ou a qualidade para onde tudo deve retornar ao ser apaziguado pelo estado de equilíbrio. É como um objetivo, uma meta sutil para a paz interior (tratando-se de indivíduos em tratamento).
- Rajas: é a energia de movimento que coloca ação e transformação ao universo. Com um propósito já estabelecido em sattva, rajas seria a energia de execução, intranquila e parcialmente caótica (especialmente na nossa perspectiva humana), que é gerada para que o desequilíbrio já instaurado possa, depois, retornar a sattva.
- Tamas: é visto como um estado de resistência, inatividade, ou obstáculo para que rajas possa se manifestar. Tamas também está presente nos estados de embotamento ou simplesmente incapacidade de colocação de ideias ou motivações em prática.
No livro “O Segredo da Saúde e da Longevidade”, Krishan Chopra diz que sattva pode ser visto como um raio de sol, rajas como um vulcão em erupção, e tamas como um bloco de pedra.
PAKRITI E A MANIFESTAÇÃO DOS GUNAS
Diz-se que, quando os três gunas estão em equilíbrio primordial, o universo ainda não é manifesto, e tudo que pode existir é apenas uma energia potencial e consciência. Ao mínimo sinal de desequilíbrio da essência dos três gunas em sua dança, manifesta-se a Prakriti, como a cristalização de Purusha. Um desequilíbrio criado para ser efêmero, já que todas as coisas retornam ao seu estado inicial de equilíbrio, e assim percebemos a visão dos Vedas para a criação do universo e manifestação da mente humana.
GUNAS E A MENTE HUMANA
Os estados mentais de um ser humano, em qualquer nível de desequilíbrio (entendendo que a simples manifestação da Prakriti humana já pressupõe desequilíbrio), está sempre mudando dentro dos estados dos três gunas.
Podemos conceber a paz e ter a propriedade da criatividade potencial de sattva, ou muitas vezes podemos simplesmente nos sentir incapazes, criar problemas e obstáculos à nossa frente, e ter a sensação de inércia ou falta de capacidade para executar o que precisa ser feito no nosso caminho de vida, o que caracteriza um estado tamásico bem comum para todos nós. Outras vezes, na qual estamos compelidos a fazer algo, executar uma ação, mudar uma situação ou mesmo agir com vigor e violência, alinhamos a nossa mente com o estado de rajas. Desses exemplos podem se desdobrar inúmeras situações e estados mentais.
APLICAÇÃO TERAPÊUTICA
Ao observar o desequilíbrio dos gunas em ações físicas e mentais em um paciente, o terapeuta utiliza de intervenções e prescrições para um futuro reequilíbrio. Logicamente, sempre devemos considerar que o caminho de cada indivíduo para o reequilíbrio dentro dos doshas de sua constituição é diferente, o ritmo de mudança é diferente, incluindo a vontade de mudar e se sentir melhor. Ações, alimentos e pensamentos são frequentemente classificados como sátvicos, rajásicos ou tamásicos, e, da mesma forma que os doshas, o aumento de um guna implica na diminuição dos outros.
VISÃO MACRO DA CRIAÇÃO
Observando esse ponto de vista neutro e imparcial, onde as três energias se desequilibram e naturalmente retornam ao seu estado inicial potencial, reforçamos a ideia de que, no Ayurveda, bem como em outras visões terapêuticas, não há certo ou errado. Tudo depende do ponto de vista do indivíduo, incluindo o que é classificado como veneno ou remédio (físico e mental), e a vontade e motivação de uma pessoa em evoluir, sofrer menos e ser mais feliz no caminho de vida que lhe foi incumbido.
O universo retornará ao seu estado de equilíbrio sempre, e o paradoxo cognitivo talvez seja que isso depende completamente do reencontro de cada um com seu caminho natural. A dança dos gunas ocorre em todos nós, inevitavelmente e o tempo todo. Cabe a nós perceber, reconhecer e aceitar a nossa Prakriti.